sábado, 11 de julho de 2009

Dia 10

Hoje é dia 10, ela disse, buscando meus olhos.

Eu não lembrava. Servi-me de vinho, o malbec covarde caía vagarosamente na taça vazia, tinha medo de entrar no nosso silêncio.

É mesmo, eu disse, falei para mim, procurava em vão palavras que fizessem algum sentido, qualquer sentido, oferecia a verdade dos meus olhos como consolo, era tudo que eu podia dar. Tocava Jack Johnson baixinho, talvez fosse algum assemelhado, o caso é que a música ressoava preguiça e langor, opção óbvia para anestesiar o senso crítico dos casais ébrios, facilitar o preâmbulo para o sexo e o amor, ou somente para o sexo, ou, melhor ainda, para o sexo e a descoberta do amor da vida, que seja, quaisquer um desses desejos que esperam obter prazer do outro, impulsos comunicados como sentimentos nobres e por meio de promessas tácitas de amor infinito, dezenas de mesas assim, consagradas à busca desesperada da felicidade burguesa, à procura de uma ilusão que os anos lhes mostrarão amarga. Havia ali a sutileza dos motéis de beira de estrada.

Mais um namoro, mais uma delas vai-se embora, abandonada pela minha solidão, ferida pelas lâminas do meu ego, mas sobretudo por um ideal impossível de amor
, pela impossibilidade da união entre dois seres humanos que não conhecem a si mesmos. O que eu quero, afinal? Digo Sim, é preciso enfrentar os problemas de frente, não está dando certo, eu sei que nunca vai dar certo, vamos acabar logo de uma vez com isso, essa troca de amabilidades não é medo de machucar o outro, é medo de se machucar Falo esses olhinhos molhados não me convencem, o seu medo é igual ao meu, nós dois somos iguais, iguais na nossa covardia e no nosso fracasso, admita isso. Os dias de cumplicidade vão longe, assim como as tardes metidos embaixo da coberta, dividindo preguiça e carícias, nós estamos mortos, não há mais sonhos

O garçom retira os pratos, fingindo não perceber nossa agonia.

Um ano e dois meses é muito tempo, ela diz, o que você quer fazer?
.....
Você não tem nada a dizer?, ela insiste.
Não há o que dizer, eu respondo.
Eu não posso lutar contra você, ela diz, inclinando-se para mim, aproximando suas mãos. Você se cansou de mim, como cansou das outras?
Estou cansado de mim, eu digo, digo com enfado. Não vamos racionalizar, travestir culpas e raivas em explicações confortáveis.
Assim é fácil para você, ela diz. Você está fugindo da verdade.
Não, eu digo com fúria, minha voz a ofende, eu estou em busca da verdade, esse é o problema, é isso que me afasta de tudo. A morte é a única verdade, e lidar com a certeza dela é a minha. Só posso oferecer essa explicação.
Não é suficiente, ela diz, eu preciso de amor.
Eu digo Eu também, e a tristeza dos meus olhos encontra a tristeza dos olhos dela, solto minhas mãos, elas já estão soltas há muito tempo, o calor dela não é mais o meu calor, minha visão se embota, estou imóvel, cada vez mais longe de mim mesmo, sua silhueta fica menor, não consigo distinguir seus cabelos, seus olhos, sua boca, sua imagem dissolve-se lentamente à minha frente, meus olhos bem abertos só enxergam um borrão. É hora de ir, eu digo, deixe-me ir. Ela não responde, ela não está mais lá. Meus olhos continuam abertos Você está aí? Alguém está aí? Minha voz cai no silêncio, reverberando na solidão do meu corpo, templo oco do meu narcisismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário