domingo, 9 de maio de 2010

As Estrelas Imóveis

As estrelas permaneceram imóveis no torpor da noite, e tudo porque ele percebeu que o abandono é o mais perto que se pode chegar da morte sem tocá-la.

Enquanto ela se afastava na escuridão úmida de São Paulo, ele contemplava a própria finitude no encontro com a ausência dela, na impossibilidade da real união entre duas almas, na impossibilidade de converter luz em matéria, espaço em tempo, raiva em amor; na impossibilidade do infinito.

Ele queria alcançar o silêncio dela, e dizer Aproxime seu desejo do meu, acaricie sua dor na minha, vamos misturar nossas ilusões, antes que o passado roube o que é só nosso, antes que o gosto da sua boca dilua-se na escuridão, antes que essas sensações dobrem-se ao porvir, e a verdade da vida perca-se na memória de nossos breves dias.

Então ele quis pedir novamente Entregue seu medo ao meu, sim, eu cuidarei dele, sem tentar amansá-lo com doces mentiras, ele estará conosco sempre que nossos sorrisos participarem um do outro.

E tudo porque o abandono trouxe o frio da morte antes que o tempo permitisse, e o caos da vida foi incapaz de expulsar o vazio, o vazio das estrelas imóveis na noite em que ela partiu.

sábado, 8 de maio de 2010

About Solitude

"It is very easy in the world to live by the opinion of the world. It is very easy in solitude to be self-centered. But the finished man is he who in the midst of the crowd keeps with perfect sweetness the independence of solitude."

Ralph Waldo Emerson

Obrigado, São Paulo

Você me trouxe de volta. Mais uma vez.

A Miséria das Palavras

O que fazer quando a caneta recusa-se a tocar o papel? O que resta quando as palavras certas estão secas de significado, e o significado escapa do que é real, refugiando-se nas sensações ilusórias de conforto e ternura? Como extrair a minha verdade do mundo quando a incerteza torna tola qualquer busca por controle? O que fazer, portanto, quando o coração ignora o absurdo e delega todo sentido à vida do espírito e aos domínios incontestáveis da mente? O que fazer, senão escrever?

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Trégua

Quase dois meses sem escrever por aqui. Azar o meu; sorte da literatura.

Mas meu espírito voltou aos eixos. Hora de teclar.

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Memories of the Future

“I live in such a distant future that my future seems to me past, spent and turned to dust."

Sigizmund Krzhizhanovsky

terça-feira, 13 de outubro de 2009

O canto das cigarras

Foi numa manhã fresca de domingo que descobri as lembranças de uma infância feliz. Setembro chegara devagar, os tempos de seca iam-se embora, as primeiras nuvens da primavera acomodavam-se gentilmente no céu monocromático de Brasília. O sol estava cansado e perdia gradativamente suas cores, do mesmo modo que um lutador perde suas forças: um novo dia, um novo assalto. Era uma manhã feita para as pessoas, não para as coisas do mundo.

Brasília oferece muitas manhãs assim, manhãs que convidam as crianças a gastar suas energias nos gramados da cidade, os malhadores a suar no parque, os velhinhos a passear pelas quadras - e os demais a ver de perto tudo isso. Saí para tomar café-da-manhã numa padaria perto de casa: eu, os jornais e o dia. No caminho, passei por mangueiras e amoreiras que balançavam lentamente ao sabor do vento, aquele vento preguiçoso que antecede as chuvas da primavera, o movimento das folhas marcando o passo dos corredores na calçada e do meu ritmo no gramado verde-claro.

Sentei-me numa mesinha próxima ao verde da grama e das árvores, pedi um café com leite e, antes de abrir os jornais, parei para olhar o dia. Reparei então que as cigarras começavam a cantar, um coro desordenado de insetos e decibéis pedindo com estridência, em tons cada vez mais agudos, o amor da primavera. Em Brasília, é um ritual que se repete anualmente com a perfeita simetria das estações. Pensei nas cigarras. Elas vivem como larvas durante anos e anos, debaixo da terra, alimentando-se da seiva que escorre pelas raízes das árvores, até estarem prontas para subir à luz. Esse longo e doloroso prelúdio culmina numa intensa vida de duas semanas, nas quais as cigarras-macho cantam desesperadamente, gritam sem parar canções descomunais, sons poderosos que não cabem em seus pequeninos corpos, esforçam-se até a exaustão, tudo na tentativa de seduzir as cigarras-fêmeas. A cantoria só cessa quando elas conseguem acasalar - ou quando morrem tentando. Depois que procriam, é o fim. Cigarras são insetos limitados. Não sabem afastar predadores. Não vivem o suficiente nem mesmo para aprender a bater corretamente suas asas: cigarras vivem apenas para o ato do amor.

Um sujeito cínico, esse típico homem dos nossos dias, tão frívolo em sua seriedade pusilânime, diria que as cigarras vivem apenas para nos atazanar, elas e seus gritinhos histéricos. Talvez. Mas não naquela manhã de domingo. Naquela manhã de domingo eu finalmente consegui ouvir o que elas cantavam. Afastei meus outros sentidos, concentrando-me em buscar o significado dos sons zimmmmmmmmm até me acostumar com aquele timbre contínuo e suplicante de zimmmmmmmmmmm até que o zimmmmmmmmm se aproximasse de mim zimmmmmmm e o zimmmmmmm estivesse dentro, e não mais fora, e deixei sem medo que o zimmmmmmm me levasse ao que eu desconhecia, sim, não há mais controle, e ouvindo zimmmmmm voltei aos breus da memória que não existia, da infância perdida ou inventada, da infância sem o abandono e a dor, da criança que ouvia o zimmmmmm nas manhãs distantes de setembro e pressentia que havia na natureza o amor que não havia nas pessoas, e que o mundo poderia fazer sentido desde que o zimmmmmmm estivesse lá, naqueles poucos dias, fazendo-lhe companhia, sempre igual, sim, sempre do mesmo jeito, o zimmmmmm era a certeza que expulsaria o vazio, e ouvindo o zimmmmm nas manhãs perdidas de um tempo fora do tempo tudo daria certo, sim, eu sinto isso de novo, o zimmmmmm não é apenas um barulho nem uma epifania vulgar, as coisas não são como são, está ali o coração da poesia e do devir, ali pulsa o futuro da vida e da morte, e não o futuro dos homens, onde há morte e tudo que a antecede, mas o futuro como certeza de estar-no-mundo para sempre, zimmmmmm, estar como antes, como agora e como depois, estar plenamente, sem o vazio, na vida do que é infinito.