quarta-feira, 8 de julho de 2009

As águas do Guaíba

Esta é a sua terra, disse minha mãe assim que o avião tocou o chão de Porto Alegre, eu com os olhos na janela, olhando com muita atenção o nada, fazendo que sim, os pensamentos mergulhados nas águas escuras do Guaíba, rio que desejava roubar a memória do passado que eu não vivi. Esta é a minha terra, eu repeti num sussurro, talvez em voz alta, tentando associar as palavras à verdade, ou a verdade às palavras, não sei. O que foi, meu filho? Nada, mãe, e devolvi-lhe um sorriso vazio, prontamente respondido com a mesma avareza, ela é minha mãe, eu te conheço, meu filho, fui eu que te pari. O avião taxiava preguiçosamente naquela manhã branca de verão, parecia adaptar-se à inclemência do calor gaúcho. Balançou muito, né? Nossa Senhora! Não percebi, talvez sim, o Onetti me botou para dormir. As crianças gritavam pedidos impossíveis para os pais, as crianças choravam com afinco para todo o avião, essas crianças que choram em todos os voos, inevitáveis como o pacote de amendoim ou a poltrona do meio. Não quero saber de mau humor, não nesta viagem, ela disse, eu preciso da sua força, preciso de alguém que me ajude. Então foi aqui que tudo acabou sem nem começar, a culpa deve ser das águas escuras do Guaíba, elas levaram embora as lembranças felizes da minha família, quando ela era isso, uma família, quando havia afeto, havia algum sentido, quando não havia eu. Restaram-me as sobras, os icebergs de mágoa e ressentimento, então é isso, coube a mim somente cuidar dos que sobreviveram, e eu, o que faço? As águas do Guaíba são escuras, eu digo. Sim, elas escondem o que a terra não consegue suportar, minha mãe diz, falando para algum fantasma que eu desconheço. Leve-me até a verdade, eu suplico em silêncio, leve-me até o significado das coisas que não posso entender, aponte-me o coração do sofrimento para que eu possa esmagá-lo, para que minha raiva se dissipe em suas veias sujas.

Um comentário:

  1. É doce imaginar que a realidade deu suporte à ficção porque também sofro ao não conseguir apontar o caminho...

    o tempo e o cão

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