sexta-feira, 26 de junho de 2009

Mágoas

Haja desilusão! Dá vergonha, mas, em nome de uma réstia de honestidade intelectual, eis o que escrevi há cinco anos:

"O amargo fim dos amores contrariados

Os poetas costumam procurar nas estrelas ou na finitude do ser, mas eu - como péssimo conhecedor da alma humana - acho que a resposta pode ser encontrada mais facilmente no olhar. Se você prestar bem atenção, perscrutar de forma demorada aqueles olhos que já lhe iluminaram o dia num piscar, vai perceber, como um estalo, que simplesmente acabou. Fica ainda mais fácil, porém penoso, no caso das mulheres de olhos diáfanos e expressão transparente, congenitamente incapazes de dissimular com competência. Por ofício, essas são as mais eficientes na arte de metralhar mágoas e ressentimentos através da força do olhar sincero. Conseguem transformar os olhos em duas bolas de fogo, apontadas diretamente para o inimigo: você. Não há defesa que resista impune.

Pior do que o olhar de ódio é o de desdém. Esse faz danos permanentes. Os olhos que um dia já lhe penetraram o coração sedentos de paixão, desejo e carinho agora são arremedos de si mesmos. Pelo menos para você, que se vê obrigado a suportar calado a tortura e crueldade do olhar indiferente. É o momento no qual você tem certeza que virou apenas mais um. Logo depois do estalo, você ainda é forçado a fingir que não percebeu o fim, com medo de se ver vulnerável a outras safras de olhares indesejados.

Então tudo fica claro: ela só fala sobre si mesma, invariavelmente olhando para os lados, com a voz cansada, como se, mesmo falando somente dela, por estar perto de você até esse assunto a provocasse tédio.

É hora de picar a mula. Não faça perguntas, nem as responda. Tenha a dignidade de dissimular uma expressão igual, levante-se da mesa e vá embora, resistindo à tentação de conferir qual o derradeiro olhar que ela deitou sobre você."

Eu lia García Marquez demais.

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