quinta-feira, 25 de junho de 2009

Eu e os outros

Abaixo, mais do que eu escrevia em 2004, ainda arrebatado pela fúria da frustração que se aproximava, aquela dolorosa descoberta de que o mundo não se encaixa na ideia que criamos dele, essa lancinante transição do imaginário para o real, do sonho para a experiência. Ainda não sabia que eu, assim como o mundo, também era feito de carnes, desejos, incertezas. Mirei nos outros - e acertei em mim:

"Pelo que já li não é de hoje nem de ontem, mas fico abismado com os níveis estratosféricos de imbecilidade e apatia das pessoas - quando digo pessoas, me refiro àquelas que comem ao menos três vezes por dia, foram alfabetizadas e têm onde morar. Às outras se concedeu a subumanidade , mas isso é outra história.


Pois bem. Justamente pelo privilégio de poderem ingerir mais de mil calorias por dia e terem estudado pelo menos 15 anos, essas pessoas (nós) têm o dever - senão político, social - de saber pensar. É o mínimo. Isso não é uma exclusividade do Brasil, nem dos tempos modernos. A humanidade caminha assim: explorando a massa, a casta produz avanços nas ciências, nas artes, na filosofia e em métodos de perpetuar a expropiação dos demais. É ocupação da elite, portanto, pensar. Caso contrário não estaríamos aqui.

O atual estado de letargia mental, aliás, retardamento mesmo, das pessoas que deveriam estar pensando alguma coisa é uma fenômeno mundial, creio eu. Os motivos para essa epidemia de cretinice estão muito ligados ao desenvolvimento político, econômico e cultural dos países ocidentais. Mas um pessoal bem mais competente já identificou com clareza e substância essas razões, não preciso entrar nisso.

Na verdade, o que me chama a atenção é o fato mais específico da minha geração ter abdicado de qualquer tipo de pensamento crítico. Cláudio Abramo, um dos maiores jornalistas brasileiros do século passado, chamava essa capacidade de "autonomia conceitual", algo que deveríamos aprender na universidade. Fico intrigado - mas não surpreso - com a ausência irrestrita de idéias da minha geração. Não me refiro apenas ao diminuto universo dos jornalistas.

Filhos da geração de 68, somos uma continuação nula daquele sonho. Acordados, limitamos nossas ambições - melhor dizendo, pretensões - ao microcosmo do emprego estável e do amor igualmente seguro. Num truque irônico do destino, percorremos um caminho inverso ao de nossos pais, trilha fatal rumo à mediocridade. Uma imagem invade minha cabeça: aquele exército de lemingues trotando certeiramente em direção ao precipício, indiferentes ao destino já traçado.

Lemingues bem alimentados e satisfeitos com as esmolas da vida, somos uma geração sem sonhos, ambições e bandeiras. Animais apolíticos e anódinos, nutrimos desdém, no melhor dos casos compaixão, pelas existências miseráveis e pestilentas das macabéas que nos cercam. Desde que não reclamem de lavar nossas roupas e varrer nossas casas por alguns cobres, é claro.

Nossos hábitos revelam nossa limitações. Satisfeitos com a mediocridade de nossa rotina, nos entupimos de uma subcultura (filmes, músicas e moda americanos) e de nossos subprodutos (novelas e afins). Numa variação pseudo-intelectual, há as figuras que curtem um samba na sexta-feira e um filme iraniano no domingo, mas que os consomem, ao fim e ao cabo, como um belo Big Mac.

Não queremos mais conhecer o mundo, provar o sabor de um café nas ruas de Paris, admirar a grandiloquência da Capela Sistina ou encher a cara num pub sujo de Londres. Quanto mais passear pelas praças de Caracas ou de Santiago. Não temos mais vontade de nos lambuzar de poesia e engolir de uma só vez todos os livros do mundo, com o sentido de urgência que só os desesperados pelas artes conhecem. Iliteratos e ignorantes, não queremos produzir ou criar nada; não pensamos em nosso legado. Somos seres de inteligência diminuta, denunciados pelo senso de humor proporcional às nossas idéias.

Eis no que nos transformamos : criaturas hiptonizadas pelo mundo intangível da internet, individualistas, cínicos, neurastênicos e reacionários. Numa palavra, medíocres.

Aqui ou acolá, somos uma juventude pequeno burguesa conservadora e idiotizada, o reflexo de nossas rotinas. Não queremos mais fazer da nossas vidas algo extraordinário, apaixonante e intenso. Nem o "desespero silencioso" de que Thoreau falava existe mais. Hoje, só resta o silêncio, cristalizado e intocável nos corações frios das vidas sem sentido."

Um comentário:

  1. ADOREI! Concordo plenamente e isso nos daria uma longa e deliciosa conversa num piano-bar. Tenho mil coisas a dizer a esse respeito.


    Isabela Pinho

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