segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Pôr-do-sol

Ergui-me da cadeira com preguiça, permitindo que alguma força desconhecida me conduzisse à janela. O sol abandonava lentamente o horizonte, levando embora as cores do céu e os rancores do dia. Eu apenas olhava. Absorvi imóvel as primeiras sombras da noite, na esperança de que suas ilusões trouxessem sentido às dores sem fim. Tive a sólida sensação de que aqueles instantes prolongariam-se por horas. Percebi, um tanto confuso, que o espírito da noite na verdade redobrava a força do que eu convencionara em chamar de ataques de consciência. Não havia mais como lutar.

Foi então que divisei algo, algo que bordejava as sombras do horizonte, algo disforme, adaptando-se furtivamente ao verde da floresta, ora aparecendo como um círculo, ora como um retângulo, algo sem cor e sem alma, movendo-se como espuma ou vento, talvez como fumaça ou ainda como uma névoa espessa, uma solução gasosa que ganhava velocidade ao atravessar os caules e as folhas e as gramas que nos separavam, devorando tudo como uma praga bíblica. Fechei os olhos e abri a janela. Senti aquela fumaça virar massa dentro dos meus ossos, congelando-os com fúria, aquela massa enegrecida pelos restos que colheu no caminho, indiferente à dor e ao desespero, ao amor e à vida, eu era apenas mais um objeto, disforme também, e soube assim que ela estava concentrada tão-somente em trilhar seu caminho de destruição.

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