quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Your sweet semblance

"O that you were yourself, but love you are
No longer yours than you yourself here live.
Against this coming end you should prepare,
And your sweet semblance to some other give.
So should that beauty which you hold in lease
Find no determination - then you were
Yourself again after your self's decease,
When your sweet issue your sweet form should bear.
Who lets so fair a house fall to decay,
Which husbandry in honour might uphold
Against the stormy gusts of winter's day
And barren rage of death's eternal cold?
O none but unthrifts, dear my love you know,
You had a father, let your son say so."

Shakespeare's sonnets.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

O extermínio da memória

Aos primeiros raios de sol do Natal de 1973, um grupo de elite do Exército brasileiro adentrou a densa selva da região de Marabá, no sul do Pará, à caça dos comandantes do movimento armado que ficou conhecido como a Guerrilha do Araguaia, numa alusão ao rio de águas escuras que por ali corre. Os militares que integravam essa equipe de ataque pertenciam aos quadros do Centro de Inteligência do Exército, o temido CIE. Eles haviam se submetido a um rigoroso programa de combate na selva, estavam equipados com fuzis Fal e Parafal, armas capazes de estraçalhar carne humana, e vestiam trajes civis, como calças jeans e camisas, num sinal de que aquela era uma missão clandestina. Todos sabiam por que estavam lá. Estavam lá com ordens expressas de assassinar outros brasileiros, eliminando com eles quaisquer vestígios de existência da guerrilha.

Não poderia haver prisioneiros, e prisioneiros não houve. Aqueles militares sabiam que encontrariam, mais cedo ou mais tarde, somente um punhado de guerrilheiros famélicos e mal equipados, cuja esperança, àquele momento, resumia-se a sobreviver. Os guerrilheros provavelmente também sabiam o que iria acontecer, quando esse confronto sobreviesse. Quando os militares finalmente avistaram os guerrilheiros no final daquela manhã de Natal, não houve surpresas. A guerrilha estava liquidada. Cinco dos 16 guerrilheiros morreram ali mesmo – inclusive o principal líder dos comunistas, Maurício Grabois, oVelho Mário. Os outros 11 fugiram pela selva, cada um seguindo seu caminho. Todas as trilhas, entretanto, levaram ao mesmo destino.

Nos meses seguintes a essa ofensiva, conhecida como Chafurdo de Natal, que desmontou o que restara da guerrilha, os remanescentes foram capturados, torturados e executados. Um a um. Sem clemência. Os números mais confiáveis demonstram que os militares mataram 41 guerrilheiros, quase sempre depois de sugar-lhes informação e sangue. Do lado do Exército, não há relatos de baixas. Só há uma palavra para definir o que se passou na selva, no decorrer daqueles dias lúgubres: massacre. Cabeças de guerrilheiros foram decepadas e seus corpos, abandonados insepultos na mata, serviram de refeição para onças e porcos selvagens. Os depoimentos dos militares envolvidos no extermínio indicam que o que sobrara dos guerrilheiros foi enterrado em locais ermos da selva. Meses depois de encerrado o conflito, os restos mortais dos guerrilheiros foram queimados em fogueiras humanas preparadas pelo Exército, numa missão conhecida na caserna como “operação limpeza”.

Transcorridos 35 anos, a eliminação dos guerriheiros do Araguaia permanece como o episódio mais traumático e violento da ditadura. A memória daqueles dias sangrentos ainda assombra o país. O Exército e as autoridades civis não esclareceram até hoje o que se passou entre o fim de 1973 e o começo de 1974, quando os guerrilheiros foram exterminados. Explicações nunca foram concedidas. Corpos nunca foram achados. E os responsáveis nunca foram processados. Vítimas colaterais de uma chacina que não poderia ter existido, mas existiu, os familiares dos guerrilheiros foram abandonados ao limbo de suas lembranças.

As buscas que ora se iniciam constituem a última chance de muitos dos familiares dos guerrilheiros em dar um enterro a quem perderam. Os ossos que porventura sejam encontrados também representam, para esses parentes em eterna vigília, a possibilidade de conhecer um pouco do que se passou na selva. Triste do país que depende disso, de vestígios de ossos enterrados numa selva distante, para conhecer seu passado e sua verdade – quando ambos deveriam aparecer em documentos oficiais e em pedidos de desculpa dos responsáveis, muitos dos quais ainda vivem. É este o Brasil de 2009. Escreveu o escritor americano William Faulkner, em busca dos significados da memória: “O passado nunca está morto. Nem ao menos é passado”. O Brasil que ficou no Araguaia nunca morrerá, mas merece ser enterrado com dignidade.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Pôr-do-sol

Ergui-me da cadeira com preguiça, permitindo que alguma força desconhecida me conduzisse à janela. O sol abandonava lentamente o horizonte, levando embora as cores do céu e os rancores do dia. Eu apenas olhava. Absorvi imóvel as primeiras sombras da noite, na esperança de que suas ilusões trouxessem sentido às dores sem fim. Tive a sólida sensação de que aqueles instantes prolongariam-se por horas. Percebi, um tanto confuso, que o espírito da noite na verdade redobrava a força do que eu convencionara em chamar de ataques de consciência. Não havia mais como lutar.

Foi então que divisei algo, algo que bordejava as sombras do horizonte, algo disforme, adaptando-se furtivamente ao verde da floresta, ora aparecendo como um círculo, ora como um retângulo, algo sem cor e sem alma, movendo-se como espuma ou vento, talvez como fumaça ou ainda como uma névoa espessa, uma solução gasosa que ganhava velocidade ao atravessar os caules e as folhas e as gramas que nos separavam, devorando tudo como uma praga bíblica. Fechei os olhos e abri a janela. Senti aquela fumaça virar massa dentro dos meus ossos, congelando-os com fúria, aquela massa enegrecida pelos restos que colheu no caminho, indiferente à dor e ao desespero, ao amor e à vida, eu era apenas mais um objeto, disforme também, e soube assim que ela estava concentrada tão-somente em trilhar seu caminho de destruição.

domingo, 13 de setembro de 2009

Bardo sabe-tudo

"Inconstância, teu nome é mulher"
Shakespeare, Hamlet

Do poder

"Qu'importe, n'est-ce pas, d'humilier son esprit si l'on arrive par là à dominer tout le monde?"
Camus, La Chute

União

Se não estiver lá desde o começo, desde aquele instante infinito no qual uma alma invade furtivamente a outra, sem dar chance às lentas defesas da consciência, uma alma misturando-se à outra na comunhão imperceptível da vida, se já não estiver lá cintilando e explodindo e confundindo seu brilho com o brilho das primeiras ilusões, as únicas ilusões que significam mais do que a verdade, tudo o mais que se seguir nunca será real - será uma imitação; ainda que verdadeira e prazerosa, será tão-somente isso: uma imitação.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Saudades

Quando senti que seu calor se aproximava do meu e que ela oferecia silenciosamente suas mãos aos meus ombros, eu soube que aquele momento trespassava minha alma, e que logo se tornaria uma lembrança, e eu desejei com todas as minhas forças ter a sorte de que os anos não levem embora esse instante de ternura, e que ele me faça companhia até o fim do que pode acabar.

As luzes de Nova York

Ele saltou ligeiro do vagão, sem saber onde descera nem qual saída tomaria. Caminhava depressa no vazio dos túneis subterrâneos, talvez na esperança de que seus passos acompanhassem seus pensamentos. Finalmente subiu, saltando as escadas estreitas num estranho compasso pendular, estabelecido pela livre interpretação das notas que Coltrane lhe gritava ao máximo volume. A cidade assomou à sua frente, e com ela o bloco de calor cinza que o verão depositava naquelas ruas. Surgiram pessoas. Nas ruas de Nova York, as pessoas não eram pessoas; eram obstáculos móveis entre um ponto e outro dos caminhos que constituíam o tempo de uma cidade em eterna fuga de si mesma. Não havia dúvida: era ali o melhor lugar do mundo para se perder sem saber disso. Ele divisou as luzes de Nova York à sua volta, quarteirões elevando-se em raios verdes, azuis, amarelos, vermelhos, roxos, brancos, laranjas, e mais algumas cores com certeza, um corredor polonês de letreiros em neon ou algo do tipo. Foi então que ele avistou a luz vermelha para pedestres e decidiu que chegara a hora de parar. Ele desligou o iPod, retirou lentamente os fones do ouvido e olhou para frente, concentrando-se na espera da luz branca que eventualmente apareceria, ela sempre aparecia, indicando a permissão para seguir caminho.

La vérité et le temps

N'importe quel temps, personne a trouvé la certitude sur la vérité de ce qui est vrai - sans illusions transcendentaux, bien sûr. Ce n'est pas acceptable de donner une réponse limpide et incontournable. Cette question s'agit de deux concepts sur lesquels il n'y a pas de consensus. Les têtes plus privilégiées de la pensée occidentale ont consacré leur temps à la recherche de ce type de vérité. Et, après tout ça, nous sommes maintenant ici: sans vérité et sans temps.

Je ne crois pas à la notion de vérité, c'est-à-dire, de la possibilité d'apreendre ce que nous appelons réel. Pour nous, une chose ou un concept est vrai lorsque nous le réputons comme réel, quand nous nos certifions de son existence. Cette idée est admissible dans les cas des choses empiriquement demontrées, expérience fait dans un point certain du temps, avec les règles de la méthode scientifique. Mais ce cas sont rares et font référence aux choses plus tangibles du monde: la physique, la chimie, la biologie.

Le problème de cette pensée se déroule dans les verités ontologiques, les verités impalpables de l'être. C'est un univers vaste et complexe. Il y a sur ce monde chaotique, sans règles intelligibles, les sentiments, comme l'amour et l'haine, les désirs, les illusions, la creativité, l'imagination, la poésie, la religion - tout ça que nous constituent humains. Ces sont les vérités que nous attachons. Dans ce monde, la vérité est une illusion, et l'illusion est la vérité.

"Le désir", a écrit Shakespeare, "est le père de la pensée." Freud a crée sa théorie sur le fonctionnement de la psyché, la psychanalyse, en vue de la notion dont les désirs, nos vérités, sont gouvernées par l'inconscient, dans un lieu presque inapprochable pour la conscience. L'impulse de l'être pour expliquer lui-même et les choses du monde est paru sur la necessité de trouver signifié sans la reconaissance de l'inconscient, de nos désirs le plus profonds et, pour quelques-uns, immoraux. L'invention de la transcendance, de la religion, des dieus, de la morale se sont passé à cause de cette répression élémentaire: illusions prises comme vérités.

Je connais seulement une vérité, la seule verité vivante de nous tous: la certitude de la mort. Et le guardien implacable de cette vérité est le temps. La mort ne se soumet à rien.